Filho do 25 de Abril

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terça-feira, março 06, 2007

1033. Análise política, económica e financeira da Região Autónoma da Madeira (2): O Modelo de Desenvolvimento


Falar que a Região Autónoma da Madeira (RAM) deu um salto qualitativo nos últimos 30 anos é um lugar comum. É, acima de tudo, uma realidade indiscutível. As estradas, o aeroporto e até o acesso às condições básicas de higiene e conforto são um legado que Alberto João Jardim (AJJ) vai deixar na região. Até aqui a discussão é pacífica.

Mas AJJ não tem o toque de Midas. A obra não cai do céu nem é fruto da exclusiva vontade do homem. A gestão do financiamento de todas estas obras foi sendo feita, ao longo do tempo, com uma gestão inteligente do financiamento do Estado Central e com consecutivas negociações para perdoar os excessos dos gastos públicos da RAM. Esta visão do que é a Democracia Representativa só tem um revés, ou seja, nunca houve a preocupação de criar condições para que a RAM criasse riqueza que alimentasse esta voragem de construção. A Democracia Representativa foi interpretada de forma a que se reduzisse a um único critério de avaliação, ou seja, quanto mais financiamento fosse possível obter mais os representados tinham que agradecer aos representantes. O modelo esgotou, só podia ser esse o resultado...

Mas o tal modelo de desenvolvimento, baseado nos gastos públicos, também atingiu uma encruzilhada. Em vez de tentar dinamizar a economia privada da região o Estado tornou-se no centro nevrálgico de qualquer investimento na RAM. Passada a fase dos investimentos básicos (transportes e condições de vida) o Governo Regional da Madeira, para manter a economia da região, altamente dependente das obras públicas, iniciou um novo ciclo de construções que, pela sua dimensão e utilidade, lançaram a RAM para a situação actual: elevado endividamento e incapacidade do investimento público gerar externalidades positivas na economia. Veja-se alguns exemplos aqui, aqui, aqui e aqui (as ligações correspondem aos projectos concluídos, em construção e projectados das sociedades de desenvolvimento da Madeira, sociedades essas que vou explicar o que são abaixo).

Este novo ciclo de obras públicas incluí marinas, parques temáticos, museus, aquários, passeios marítimos, parques aquáticos, praias artificiais... e muitos destes feitos sem a devida garantia de viabilidade económica e o resultado é perverso, ou seja, muitos não pagam sequer os custos operacionais, não têm utilidade nem são utilizados, são um sugadouro de recursos públicos, não geram nem emprego nem riqueza e, além disso, têm contribuído para uma sistemática descaracterização da beleza natural da Madeira. O mais grave é que o Governo Regional, no limite do endividamento, optou por constituir quatro Sociedades de Desenvolvimento cujo accionista é o próprio Governo e que contorna o endividamento através da contratualização de empréstimos, muitos deles a bancos estrangeiros, com o aval do próprio Governo. Esta bola de neve de endividamento sem retorno esgotou o modelo de desenvolvimento baseado nos gastos públicos.

O dilema não acaba aqui. Para antecipar receitas para a construção desenfreada de obras públicas, único sustentáculo do crescimento da Madeira, logo vital para a sua economia, o Governo Regional fez uma concessão de alguns troços de via rápida a duas empresas, Via Litoral e Via Expresso, que têm como accionistas o próprio Governo, várias empresas de construção e alguns bancos. Este tipo de modelo de SCUT é diferente do modelo do continente porque não financia directamente futuras obras que vão ser o alvo da concessão porque são apenas uma outra forma de adquirir um empréstimo. A concessão da manutenção dos tais troços é precedida por um avultado montante - a tal antecipação que é outra forma de endividamento - pago pelas empresas ao Governo Regional e depois o mesmo Governo Regional, por 25 anos, paga um montante acima do valor real da manutenção e utilização (há quem diga que multiplicado várias vezes mas não tenho números). É curioso que essas empresas tenham capital público uma vez que o Estado paga por um serviço prestado pelo próprio Estado e por outras empresas.

É evidente que o futuro, neste contexto, é sombrio. Se uma economia baseia-se no emprego que o sector público gera directamente e no investimento público não é difícil de adivinhar o que vai acontecer quando esse mesmo sector público não conseguir continuar a gerar gastos públicos. Adivinha-se para a RAM, ironicamente, o mesmo que José Sócrates está a fazer, ou seja, uma drástica diminuição das regalias que o Estado é capaz de gerar. Mas com a agravante que, ao contrário do continente, a Madeira não ter praticamente iniciativa privada independente da orientação - e do subsídio - estatal. O futuro da Madeira impõe que se encontre um novo modelo de desenvolvimento e não preciso ser mago para adivinhar que AJJ, se for eleito, vai ter que fazer políticas muito parecidas às que tanto critica em Lisboa (parece que já encomendou uma PRACE ao mesmo autor da PRACE de Sócrates) e também não preciso ser mago para adivinhar que o sector privado vai ser crucial. Mas dado o desastre que é a situação financeira pública da região e a enorme dependência do sector privado em relação ao Governo Regional não me parece que a Madeira vá viver tempos fáceis. Mas, enfim, foi este o rumo que os madeirenses escolheram e agora resta arcarem com as consequências das suas escolhas.

Continua...

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