(440) Caça às Bruxas
Paira no ar um odor a enxofre. É que parece que voltamos aos tempos da inquisição e da “caça às bruxas”. Há uns séculos atrás as perseguições eram religiosas, hoje são um ataque violento às remunerações, independentemente do trajecto profissional e do mérito. As capas dos jornais e a abertura dos noticiários televisivos realçam a “vergonha”, a “promiscuidade” e o “despudor” de quem tem regalias ou remunerações “altas”. De repente todos descobrimos que o “monstro orçamental” levou o país à falência (nada mais errado mas há que respeitar o alarmismo que alguns consideram útil) e a consequência disso é que ninguém pode e deve escapar ileso.
As “bruxas”, neste caso, são todos aqueles que ganham dinheiro neste país como se, de repente, fosse um crime amoral conseguir uma boa remuneração em tempo de crise. Os jornais e os partidos investigam tudo desde as remunerações e reformas de políticos, aos privilégios dos polícias, aos ordenados e reformas dos juízes, e por aí fora. Se há crimes que os investiguem, se a lei não está justa que a mudem, se quem não é produtivo tem vantagem salarial sobre quem é que se mudem as regras... mas o que não pode acontecer é uma perseguição sem quartel a quem, justa ou injustamente, seguiu as regras em vigor para atingir as remunerações actuais. Ou começamos a enfrentar este sistema complexo de compensações sem demagogia ou só vamos conseguir ter um país de pessoas medíocres, porque quem tem mérito não vai estar disposta a passar por estas perseguições humilhantes na praça pública.
Eu sei que é urgente acabar com privilégios e regalias amorais mas isso só pode ser feito num ambiente não persecutório em que os critérios de justiça salarial (imune às pequenas invejas e mesquinhices nacionais) e de mérito tenham um peso decisivo. É preciso lutar contra as pequenas compensações, os regimes de excepção e as promoções automáticas mas sem demagogia, com o realismo de que uma simplificação do regime é útil para não criar efeitos de distorção cumulativa (efeitos “bola de neve”) mas que isso implica necessariamente generosas subidas nas remunerações. Teremos coragem para fazer isso sem perseguições e invejas? Duvido que, com o clima que está criado, seja possível fazer uma reforma que nos leve a bom porto...
17 Comments:
At 10:15 da tarde, Frederico Lucas said…
Tenho a oportunidade de trabalhar com alguem que investiu 20 anos da sua vida num projecto. Nunca valorizou o dinheiro que tinha no bolso porque os seus objectivos estavam num futuro que poucos compreendiam.
Ao contrário de muitos, o seu projecto passou a ser cobiçado por um grupo económico canadiano. Vendeu a sua patente por 2.000.000 contos.
Hoje reconhece que o seu maior adversário foi sempre a "inveja". Muitos complicaram-lhe a vida, não porque estivessem em desacordo com ele, mas apenas porque invejavam o sucesso do seu trabalho.
Uma lição para muitos.
At 10:43 da tarde, Ricardo said…
Frederico...
São nestas situações que o "pior" de nós se revela. Também acredito que vamos acabar esta "caça às bruxas" de forma serena, mostrando também que a inveja não suplanta as nossas qualidades intrínsecas.
Mérito é a palavra que quero ouvir mais vezes. Só promovendo a qualidade do trabalho e dando condições a que todos se sintam motivados a executar uma tarefa é que podemos ultrapassar as "crises" do nosso país. E o que é injusto temos que alterar mas sem perseguições morais mas também sendo implacável com que comete crimes que lesam o Estado.
Abraço e obrigado por partilhares essas "lições",
At 10:43 da tarde, Unknown said…
Eu nunca alinhei neste tipo de caça às bruxas. Mais, até acho que os politicos ganham pouco.
Por mim aumentava-os.
Mas, o que não concordo e até acho revoltante são certos benefícios colaterais como por exemplo trabalhar meia dúzia de anos num banco do estado e ficar com uma pensão choruda para toda a vida.
Pensão essa acumulável com outras.
Por exemplo, aquele senhor que foi governador do Banco de Portugal e Presidente da CGD, quantas pensões tem? E de que valor?
Isto é, pague-se 20 mil contpos por mês ou mais ao Governador ou ao Vice-Governador do Banco de Portugal mas, quanto a reformas que as tenha nas mesmas condições do que os outros trabalhadores.
O que já não seria bem assim pois teria uma reforma muito maior e, quando saisse nunca iria para o desemprego pois um Governador ou Vice-Governador do Banco de Portugal de certeza que nunca ficaria desempregado...
At 10:54 da tarde, Ricardo said…
Raio...
Concordo contigo a 100%! Os políticos recebem mal, é verdade. Temos que acabar com estas "caças às bruxas", também concordo!
O que é importante combater são os regimes compensatórios e especiais que só são criados porque não há coragem de aumentar condignamente os salários. O que acaba por provocar despesas ainda maiores passados alguns anos. É atirar a sujidade para debaixo do tapete. Mas uma coisa é abolir estes direitos, outra completamete diferente é perseguir nos jornais quem a recebe ou defender a sua abolição sem criar justiça nas suas remunerações.
Estes "regimes compensatórios" dão má imagem aos políticos, mais despesa e mais complexidade (quando muda o ministro este desvirtua o contexto com que foram criadas as regalias e agrava o problema). Salários diferentes e regalias iguais é o que defendo para moralizar esta situação!
Abraço,
At 2:12 da tarde, Anónimo said…
Como somos muitos invejosos, todos escondem quanto ganham. Como todos escondem quanto ganham somos muito invejosos.Nos média a hipocrisia e o cabotinismo é generalizado.Pensei sempre que era uma questão geracional, da recente democracia.Mas não.É só ler um jornal inglês, uma TV americana, não temos exemplos exteriores.Não sei como isto vai ser de aqui a 10 anos.
At 7:57 da tarde, Anónimo said…
Caro Ricardo. Infelizmente um dos piores defeitos do povo Português é a inveja e de um modo geral todo o ataque feito ao mérito de terceiros serve normalmente para esconder, ou justificar, o demérito dos mesquinhos e infelizmente são muitos e se lermos os nossos clássicos, há anos que estão referenciados. Um abraço.
At 9:46 da tarde, Ricardo said…
C. Indico...
É a teoria de que se um está mal mais vale que estejam todos. Eu compreendo quer seja difícil compreender o porquê de muitas regalias. Eu defendo até que a maioria dessas regalias são amorais. Mas eu não quero que uma reforma na Administração Pública seja feita neste ambiente de perseguição pessoal. As regalias devem terminar sem tocar nos direitos adquiridos. E em vez de insistir em regalias é preciso ter a coragem de defender que quem tem mérito deve ter remunerações altas. Acabe-se com esta hipocrisia.
Abraço,
At 9:59 da tarde, Ricardo said…
Caro Velho,
O problema é que em Portugal não é quem tem mérito que, muitas vezes, melhor recebe. E isto acontece também porque somos permeáveis a estas "caças às bruxas" demagógicas. Nunca vamos poupar recursos e diminuir custos enquanto não premiarmos convenientemente o mérito e dermos condições de trabalho para que os melhores naquele cargo possam oferecer o melhor serviço público que conseguirem providenciar.
P.S. O caso "Jardim" é um bom exemplo. Eu conheço bem a realidade madeirense e estou à vontade para dizer o que vou dizer uma vez que critico periodicamente as suas opções políticas. Tem sido uma polémica Jardim acumular o vencimento com a reforma. Concordo que é uma situação criticável (não do ponto de vista pessoal porque não dou lições de moral a ninguém) mas porque a lei o permite. Mas ninguém fica chocado por um Presidente do Governo Regional, que gere largos milhões de euros, só receba pouco mais que 3000€/mês. No dia em que acabarem todas estas regalias (que concordo serem estranhas e todos sabemos serem compensatórias) como motivar um bom profissional a ocupar o cargo (que ainda por cima é desgantante por ser mediático)? Isto já não preocupa ninguém?
Abraço,
At 1:59 da manhã, Anónimo said…
Sim, também acho que os tios não deviam ser perseguidos desta forma. Eles nem gostam de dinheiro...É por amor ao povo que, quando são obrigados a largar os cargos de ministros, passam a administradores da GALP, CGD, Banco de Portugal, para não falar dos imensos cargos de confiança política que são atribuídos aos "boys" o que faz com que outros sintam inveja...É só inveja!!!! Esquecem-se da enorme responsabilidade que pesa sobre os ombros dos que ganham muito mais do que os outros concidadãos a quem têm que dizer, de barriga cheia, que vão ter que pagar a crise ou que vão ficar sem emprego...Pobres tios.
At 1:12 da tarde, Ricardo said…
TNT...
Acho que o teu comentário reflecte bem o clima não propício a se fazer reformas nas remunerações e regalias da administração pública e políticos. Ninguém faz nada de graça e só vamos ter os melhores na função pública ou se dermos remunerações condizentes com a função e o mérito ou se acumularmos regalias. Eu acho a primeira opção mais transparente, mais simples, que gera menos efeitos "bola de neve" e que acaba com esta hipocrisia. Sacrifícios sim, condenações públicas eperseguições pela utilização de direitos adquiridos é que não!
Quanto às nomeações políticas para empresas públicas concordo contigo que os critérios têem que ser revistos.
At 1:19 da tarde, Ricardo said…
Lazuli...
O exemplo das horas extraordinárias é um excelente exemplo de má gestão do sistema. E realmente precisamos duma revolução na gestão dos serviços públicos. Mas também é uma forma de compensação pelas baixas remunerações que o Estado oferece.
O que nos faria realmente combater o défice seria uma modernização dos serviços, uma melhor gestão dos recursos, uma efectiva melhoria das condições remuneratórias pelo mérito e o fim do regime de excepções especiais. Não vale a pena só combater este último ponto sem ter uma visão global da reforma do sistema.
Lazuli, não te preocupes! Vou continuar a lá ir e a fazer os "intervalos" que sugeres.
***
At 3:55 da tarde, Anónimo said…
Quem tem mérito não se vende e, muito menos, se dedica à bruxaria. Bruxos é uma designação que assenta como uma luva pois, não só querem ter mais e cada vez mais, como desejam que a maioria esteja mal e muito mal para se sentirem alguém! Traumas!!!!
At 6:56 da tarde, Anónimo said…
A pior das nossas hipocrisias é de que o homem politico ou o funcionário publico ou de empresa publica deve ser um homem devoto e desprendido do salário que ganha. Que é uma virtude voluntáriamente e abnegadamente sacrificar-se "para bem de todos".Isto tem sido alimentado pelos dirigentes politicos há 30 anos.Parodoxalmente, precisamos de recordar-nos que foi Salazar arreigou este pensamento entre nós.Pagava mal aos altos funcionários para os ter na mão. Assim, estes estavam sempre a babar-se para irem para uma Comissão, um Conselho Fiscal,etc.Como ele dizia : Tudo se resolve com uma boa Pasta ou uma boa Posta.
E assim é até hoje.
Já estamos no 25/4, mas ainda falta muito para chegarmos ao dia 26.São hábitos adquiridos.
At 8:28 da tarde, Ricardo said…
Simão...
Antes de mais obrigado pela tua visita.
Eu ás "bruxas" referia-me a quem está a ser perseguido, não que m persegue. Mas a analogia não está mal pensada...
Traumas...
Abraço,
At 8:31 da tarde, Ricardo said…
C. Indico...
"A pior das nossas hipocrisias é de que o homem politico ou o funcionário publico ou de empresa publica deve ser um homem devoto e desprendido do salário que ganha."
Não podia estar mais de acordo. É obvio que há alguns políticos que abdicam da sua remuneração habitual mas vamos colocar de parte o altruísmo. Não podemos continuar a alimentar esta hipocrisia que afasta da função pública os bons profissionais que poderiam reformular a gestão do mesmo e que acaba por criar sistemas de regalias complexos e amorais.
Abraço,
At 8:31 da tarde, Anónimo said…
Pois eu acho que ter um "tacho" que nos permite viver muito acima dos plebeus é um direito mais do que adquirido, direi mesmo, roubado. Pois o Zé que não se lembre nunca do velho ditado que diz que "ladrão que rouba...", cala-te boca!
At 6:17 da tarde, Anónimo said…
Ricardo:
Amorais não, sim imorais, porque não são inocentes.Acho que ganho pouco, mas tenho medo de publicamente, e talvez fiscalmente, assumir isso.Assim, arranjam-se pela surra ajudas de custo, deslocações,representações,etc, que deviam ser casuisticas , mas na realidade são permanentes. É como os presidentes dos clubes: dizem que não querem um tostão, é por amor á camisola, mas metem lá 2 assessores a ganharem 10.000 Eur cada um !Recebem 14.000!
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