Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

sábado, julho 16, 2005

499. Os (degradados) valores ocidentais


Principezinho, não assistas a isto!

O último post revelou comentários interessantes! Um deles foi o do TNT ao afirmar que os valores ocidentais não são o motor da luta contra o terrorismo. Eu só pergunto que valores são esses? Qual é a nossa luta nos dias de hoje? Tudo está aparentemente adquirido e nenhum de nós dá o verdadeiro valor a nada! A própria fé foi destronada por uma ciência que descobriu os calcanhares de Aquiles dos filósofos. Lutamos, hoje em dia, por mais bens materiais e para manter o poder de compra...

"POLICE believe that they have identified the British-born man who masterminded the suicide bomb attacks on London. It also emerged yesterday that one of his recruits was a primary school teaching assistant."
http://www.timesonline.co.uk/article/0,,22989-1693463,00.html

Por isso não me espanta que os Ingleses tenham perdido, esta semana, o rumo. Depois duma reacção madura ao medo, isto é, a vida económica podia seguir sem grandes sacrifícios fizeram uma descoberta terrível. Os terroristas já são e foram criados dentro deles. Não são pessoas sem educação nem oriundos dum Afeganistão qualquer. Foram criados, educados e convertidos em solo inglês. E agora? Onde nos vamos agarrar para tentar manter a aparência duma luta entre os bons e os maus? Como vamos combater a ignorância quando os terroristas surgem do nosso sistema educativo? Quem vamos invadir para manter a ilusão que os nossos valores são supeirores? Só me ocorre bombardear e invadir as escolas...

Também não fico espantado que, em Portugal, um ou mais sindicatos da polícia ameacem cortar o trânsito na ponte 25 de Abril. É o esquecimento total do que demoramos séculos a conquistar. É dar tudo por adquirido como que já fosse impossível regredir. Lamento informar que a história nos ensinou que tudo se perde num ápice. Se um conjunto de cidadãos corta uma ponte é crime e chamamos a polícia. Quando a polícia corta uma ponte acaba-se o respeito pela liberdade. E quando os polícias já não sabem o seu papel mais vale pensar no que já não funciona nos nossos aclamados valores ocidentais. E, entretanto, porque não despedir sumariamente quem sequer se lembra de tais ideias subversivas? Será que resolve o problema de fundo?

O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry

"Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...
- AH! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor...tenho a impressão que estou presa a ela...
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra...
- OH! Mas não é da Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
- Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça...E galinhas?
- Não.
- Não há bela sem senão...- disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor...Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito...São precisos rituais.
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual, à quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho.- Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim...
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sózinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo.. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu vi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com aminha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer."

5 Comments:

  • At 3:58 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo,

    Desde os tempos mais remotos, e em todas as épocas, têm surgido alguns indivíduos com uma percepção extraordinária que chamaram a si a responsabilidade de denunciar a forma injusta como se veio a organizar o mundo. O seu firme propósito tem sido o de arrancar a humanidade à ignorância a que tem estado votada, isto porque têm considerado, muito justamente, ser a ignorância a causa da submissão e, porque não dizê-lo, da escravidão a que a esmagadora maioria tem sido sujeita.
    Todos eles têm sido unânimes em cuidar que uma tal tomada de consciência, continuada por uma educação adequada, é condição necessária e indispensável para que se possa dar a emancipação, única via para atingir a liberdade que é um valor irrefragável da verdadeira condição humana. Quiseram expor os seus semelhantes ao esplendor da verdade, de forma a erradicar a falsidade e a hipocrisia que sempre foram utilizadas para implantar, sob a máscara da protecção e do auxílio mútuo, o domínio do terror e da escravatura.
    Contudo, a forma mais perniciosa do exercício da violência, porque é dissimulada e permanente, é a violência simbólica levada a cabo pelo aparelho ideológico do Estado: a família, a escola, a igreja e os meios de comunicação social. O mesmo é dizer que o sistema social «serve para a domesticação dos dominados», tal como afirmou Max Weber.
    O excerto do Principezinho foi muito bem escolhido, parabéns!
    Torna-se necessário que a Educação se debruce sobre a literacia emocional, que se eduque o afecto, como propõe Coleman. São as capacidades da inteligência emocional que formam o carácter dos indivíduos. O “intelectual” dos nossos dias está muito longe de ser um Homem integral, isto é, harmonioso, equilibrado e feliz, mesmo quando segue a sua vocação e se pode libertar da servidão material que deforma ou violenta o espírito ou a consciência.
    A democracia só poderá ser construída numa sociedade em que se aposte na formação do carácter das pessoas. Estas devem ser capazes de se auto-motivar e guiar-se por si próprias, bem como desenvolver a autodisciplina e o auto-controlo; ou, dito de outro modo, devem atingir a maturidade e deixar de precisar de alguém que lhes diga o que devem ou não fazer e que, de um modo geral, é contra o seu verdadeiro interesse.
    Supor que a humanidade já atingiu um elevado estádio de desenvolvimento pelo facto de existirem muitas e sofisticadas inovações tecnológicas é estar alheio ao sofrimento em que vivem milhares de milhões de pessoas que experimentam uma multiplicidade de carências e tratos de extrema crueldade; é olvidar a violência e as atrocidades desferidas em qualquer conflito armado; é abstrair-se da exploração e da dominação a que se sujeita um elevadíssimo número de pessoas. Encarar o progresso de uma forma tão redutora é já um sinal inequívoco das graves deficiências humanas de que se padece: denota uma enorme falha a nível da inteligência emocional e, por isso, uma certa dose de inumanidade.

    Um beijo,

     
  • At 2:42 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    O teu post está excelente. O excerto foi bem escolhido. Obrigado pela referência, mas infelizmente o TNT diz coisas muito incómodas para as pessoas que lutam por esses valores, é como que o desfazer da inocência do principezinho a quem a raposa aconselha a criar afecto pela rosa. Pois é isso que o TNT faz, o TNT é uma raposa manhosa, e aconselha a esquecer que o mundo é bom e a viver com valores de que gostemos, as nossas rosas.
    Um abraço

     
  • At 4:23 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Acusar a Democracia de inválida, por estar pejada por antidemocratas, como o IDIOTA PERIGOSO( a propósito:o Estado já iniciou um processo de averigações para a sua expulsão e pena criminal
    por incitação ao crime?)do Sindicato da Policia, não vale e é baixo!
    A Democracia deveria ser um Édem, onde todos são respeitadores dos direitos e deveres, todos cidadãos manços,etc.???
    Não, a Democracia é sempre imperfeita, está sempre em conflito, e este conflito é motor que desenvolve o sistema civilizacional.
    Todos certinhos, todos democratas,todos respeitadores,tudo em paz, meus amigos, isso só em DITADURA!
    No tempo em que o suporte da informação era em papel, só uma geração, dizia-se:
    Entras num avião, chegas ao aeroporto e compras um jornal. Se estiver escrito que Vivemos numa Democracia Exemplar,Todos os direirtos estão garantidos, As pessoas Felizes, então estás numa DITADURA.Se os jornais disserem que Isto é uma Democracia de Merda, os politicos são uns Corruptos, a justiça é uma mentira, o que faz falta é um Ditador para meter esta corja na linha!!!!, então estás numa Democracia.



    Fui ver COLISIÃO, para mim excelente, muito actual,1ª obra,enxuto, o choque das culturas.
    A Sandra Bullock só aparece 3 minutos, podem estar descançados!

     
  • At 4:40 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Anastácia,
    O HOMEM INTEGRAL...,FORMAÇÃO DO CARÁCTER DAS PESSOAS...,ALGUNS INDIVIDUOS..., descupa, mas estes termos causam-me arrepios gelados.Eu que vivi, em adulto, numa ditadura fascista, e noutra comunista, fico de cabelos electrizados em ouvir falar que se vão educar pessoas para que se salvem.Tive dezenas de aulas para "desbloquear a mentalidade burguesa, que me impedia de compreender o povo", dadas por um CAMARADA-CHEFE.........e eu como era QUADRO DO ESTADO, coisa que sempre abominei, e havia falta de comida, tinha o direito de mandar os auxiliares passarem horas nas bichas para comrare-me meia duzia de ovos.......e eu no ar-condicionado " a desbloquerma-me" com o Camarada......Ora!!!!

     
  • At 7:33 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    C. Indico,

    Tens toda a razão, todas as revoluções feitas em nome do povo foram feitas pela burguesia. São os valores desta que se mantêm. Quem detém o poder não quer, de forma alguma, que o povo seja esclarecido e, portanto, livre!
    O sistema social sujeita as pessoas a pensamentos e comportamentos condicionados, tal como fazia Pavlov com os cães que lhe serviam de cobaias.
    Quão difícil, para não dizer impossível, se tornou tomar consciência da falta de liberdade. A humanidade habituou-se à mentira e parece recear assumir a responsabilidade que acarreta a liberdade.
    A salvação e a condução da sua vida passaram a vir sempre do exterior, eis porque, no século XX, os regimes totalitários e sanguinários foram acolhidos com um grande fanatismo. E, note-se, não se pode dizer que os entusiastas eram todos analfabetos e incultos. As grandes massas que permaneciam num mar de ignorância foram, de forma bem calculada, persuadidas por indivíduos que possuíam conhecimentos profundos e que lhes prometeram a salvação. Hitler foi deificado por salvar o povo do desemprego e procurar novos mercados que salvariam a Alemanha da miséria. A burguesia apoiou as suas ideias que lhes facultava mais e melhores hipóteses de acumular riqueza e lhe garantia o afastamento, a todo o custo, do seu maior e mais temível inimigo, o comunismo. Estaline, o salvador do proletariado, responsável por milhões de mortes com execução sumária, foi chorado e deificado aquando da sua morte, pois o povo acabava de perder o seu “paizinho”.
    A teologia da salvação está enraizada no inconsciente colectivo de cada povo e surge à luz do dia em diferentes períodos da sua história. Ao contrário do que se possa pensar, não desaparece, apenas permanece em estado latente até ser despoletada quando estão reunidas as condições necessárias e suficientes para que tal aconteça.
    Contudo, C. Jung alerta, de um modo enérgico e sem peias, para o perigo que ela encerra.

    Um beijo,

     

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