Filho do 25 de Abril

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domingo, julho 17, 2005

500. O Homem



Devemos acreditar no homem?

Advogado do diabo #1: Não!

Porque lutamos? Por uma sociedade mais justa? Não! Nós não somos altruístas, nunca vamos ser. Tirem-nos a pizza para dar pão a terceiros e começa uma revolução. Por uma recompensa divina? Não! Nós já não acreditamos em deuses e muito menos em deuses que foram “criados” para necessidades diferentes das que temos hoje. Não foi Deus que criou o homem à sua imagem mas sim o homem que criou Deus à sua imagem. A ciência destruíu a fé. Os dogmas cairam, o homem está só!

O problema actual do homem é o mesmo de sempre. Precisa dar um sentido à vida quando ela pode resumir-se ao que sempre foi, leia-se, uma luta pela sobrevivência. Sobrevive, mesmo à custa dos seus congéneres. O resto são floreados e ilusões feitas por sonhadores criativos que se recusam a aceitar que o que nos separa dos animais não é a inteligência mas sim a dificuldade de aceitar o óbvio.

O homem precisa de novos valores e objectivos, mesmo que sejam novas ilusões. Até porque eu também quero viver na ilusão, porque felizes são os que vivem sob o seu jugo! E só quando voltarmos a sonhar com utopias podemos voltar a acreditar que humano significa bondoso, benigno, compassivo, próprio do homem, relativo ao homem. Porque, no fundo, bem no fundo... somos meros animais que tentam sobreviver a todo o custo! Precisamos de nos iludir para não sermos seres mesquinhos e conflituosos, leia-se, para combater a nossa natureza! O mundo em que vivemos é o reflexo do homem... desorientado, perdido, inerte, egoísta... porque é o homem que criou o capitalismo, o comunismo e o socialismo, que elegeu o Bush, que permite a pobreza, que trava a sabedoria, que quer globalizar-se...

Advogado do diabo #2: Sim!

O homem é um ser único intrínsecamente movido por objectivos nobres que nenhum outro ser vivo consegue atingir. Isto significa que, no fundo, somos bondosos e generosos mas que ainda não encontramos a forma de nos organizar que consiga potenciar isso. Pensamos como espécie e, assim, somos capazes de oferecer uns aos outros as mais belas formas de arte e constantemente desafiar os nossos limites à procura de conhecimento e, mais importante, de sabedoria.

Só acreditando nas nossas potencialidades seremos capazes de merecer o nome de humanos. Sim, porque o mundo ainda não assistiu à capacidade do homem em ser generoso e altruísta porque estamos enredados em lutas artificiais que retiram o pior de nós e que nos adormecem. Quem defende que a nossa natureza é egoísta não conhece um sorriso duma mãe, a bondade dum amigo ou a sincera ajuda de uma pessoa que teve mais oportunidades.

Devemos ser socializados e seguir a ideologia de homens iluminados ou devemos ser honestos com a nossa essência altruísta para que antijamos uma sociedade mais justa? A segunda resposta é a única que é racional porque as ilusões que nos vendem só são criadas por uns poucos homens com mentalidade distorcida para nos desviarem da conquista da sabedoria. A culpa é da forma de nos organizarmos, não do homem! Porque afinal tudo tem sentido que é o homem evoluir como espécie, leia-se, tornar-se cada vez mais sábio!

Quem tem razão?

P.S. Quero agradecer à Anastácia, ao TNT, ao C. Índico e ao Anónimo pelos comentários que têm proporcionado excelentes reflexões neste blogue! Só assim vale a pena escrever...



Falas de civilização...
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro


9 Comments:

  • At 5:34 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo,

    O desequilíbrio em que assenta a humanidade deve-se, precisamente, à forma como se veio a organizar o mundo.
    Hesíodo refere-se à raça que cultivava o solo como a “raça dourada” que foi subjugada por uma “raça menor” que impôs os seus valores e o seu deus da guerra. A partir de então, o mundo passou a ancorar-se numa ordem em que predominam os interesses individuais, onde impera o egoísmo que origina formas de sociabilidade baseadas em processos dissociativos. Estes processos de relação são bem notórios no mundo actual que incentiva a competição, admite a oposição e vê no conflito uma saída eficaz para a resolução dos problemas. A guerra é um meio muito utilizado para perpetuar e alargar o direito de posse da classe dominante. Esta, através da sua ideologia, impõe os seus valores como valores universais, ou seja, não só subjuga como impõe a crença de que é legítima a sua dominação.

    Transcrevo um excerto de «As pessoas sensíveis» de Sophia de Mello Breyner Andresen:

    (...)
    O dinheiro cheira a pobre e cheira
    À roupa do seu corpo
    Aquela roupa
    Que depois da chuva secou sobre o corpo
    Porque não tinham outra
    O dinheiro cheira a pobre e cheira
    A roupa
    Que depois do suor não foi lavada
    Porque não tinham outra

    "Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
    Assim nos foi imposto
    E não:
    "Com o suor dos outros ganharás o pão."

    Ó vendilhões do templo
    Ó construtores
    Das grandes estátuas balofas e pesadas
    Ó cheios de devoção e de proveito

    Perdoai-lhes Senhor
    Porque eles sabem o que fazem.


    Um beijo,

     
  • At 5:37 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo,
    ufa!, belo trabalho de fim de semana.Já estou a pensar NISTO, mas vai demorar a responder sucitamente.
    As reflexões do José,cristão excelentíssimo, no Terra da Alegria,talvez o blog mais ERUDITO cá da praça, sobre a complexidade do comportamento humano ajudam muitíssimo.

    Mandei-te um mail.

     
  • At 5:48 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Mas com a minha formação adolescente foi sólidamente católica, inicio com uma antiga proposta:
    TUDO TEM O SEU TEMPO
    Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que deseja debaixo do Céu:
    -Tempo para nascer e para morrer;
    -Tempo pra plantar e tempo para arrancar o que se plantou;
    -Tempo para nascer e para morrer;
    -tempo para matar e tempo para curar;
    -Tempo para destruir e tempo pra edificar;
    -Tempo para chorar e para rir;
    -tempo para lamentar e tempo para dançar;
    -tempo para atirar pedra e para as juntar;
    -Tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço;
    -tempo para procurar e tempo para perder;
    -tempo para guardar e tempo para atirar fora;
    -tempo para rasgar e tempo para coser;
    -tempo para calar e tempo para falar;
    - tempo para amar e tempo para odiar;
    tempo para a guerra e tempo para a paz.
    (Ecl. 3,1-8)

     
  • At 7:36 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Anastácia,

    Gostava de ter tantas certezas como tu tens. De uma forma um pouco irónica (pelo menos esse era o objectivo) procurei mostrar dois pontos de vista que retratam o homem na sua natureza. E eu acho que nenhuma das visões está certa pois somos um misto de crueldade e bondade. E o mudo, na minha opinião, e todas as suas formas de organização são o reflexo disso. Mas acredito no homem e na sua capacidade de potenciar o seu lado menos "escuro"!

    As formas de dominação do homem pelo homem e a sua perpetuação devem ser combatidas mas não tenhamos ilusões, apenas para surgirem outras. Isso está expresso de forma brilhante no poema de Fernado Pessoa e, em parte, no também brilhante (e muito bem escolhido) poema da Sophia de mello Breyner que escolheste.

    Perdoai-lhes Senhor
    Porque eles sabem o que fazem.

    Um beijo e obrigado pelas visitas regulares até porque são sempre coloridas por comentários brilhantes. Não estando sempre de acordo estou, pelo menos, sempre rendido à tua maneira de expressares o que defendes por convicção!

     
  • At 7:41 da tarde, Blogger MB said…

    a eterna questão de Nietzche... "Será Deus um erro do Homem ou o Homem um erro de Deus?"

     
  • At 7:50 da tarde, Blogger Ricardo said…

    C. Índico,

    As tuas sugestões de leitura (neste caso de blogues) têm sido sempre interessantes e, logo que possa, vou espreitar.

    Como já deves ter notado não sou muito dado a questões de fé. Acredito na importância das religiões para focalizarem o homem na sociedade e para compensar as recompensas que não teve em vida com a promessa de outras depois da morte. Mas isso também tem perigos uma vez que acabamos por não fazer a introspecção à nossa natureza que devíamos sempre fazer.

    A fé é importante e não a questiono mas a moral associada às religiões geralmente trava o desenvolvimento da tolerância pela diferença o que acaba por ser um contra senso com a mensagem por ela veiculada. Por isso e só por isso (e não por querer destruir a fé) é que acho que as formas de organização do homem devem ser mais abrangentes e não se resumirem a uma conduta religiosa, mesmo que essa seja a opinião maioritária da população.

    Tudo tem o seu tempo... e as religiões estão desfasadas das necessidades actuais do homem. Por isso este cria novos deuses e radicaliza as suas convicções. E isso é perigoso!

    Abraço,

     
  • At 7:55 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Mb,

    Christianity was from the beginning, essentially and fundamentally, life's nausea and disgust with life, merely concealed behind, masked by, dressed up as, faith in "another" or "better" life.

    from Nietzsche's The Birth of Tragedy

    Obrigado pela visita! Abraço,

     
  • At 1:19 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Ricardo,

    (...)

    Que me importam a mim os homens
    E o que sofrem ou supõem que sofrem?
    Sejam como eu — não sofrerão.
    Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
    Quer para fazer bem, quer para fazer mal.

    A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
    Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)

    (...)

    (Louvado seja Deus que não sou bom,
    E tenho o egoísmo natural das flores
    E dos rios que seguem o seu caminho
    Preocupados sem o saber
    Só com florir e ir correndo.
    É essa a única missão no Mundo,
    Essa — existir claramente,
    E saber fazê-lo sem pensar nisso.


    Alberto Caeiro

    (O sublinhado é meu!)

    Um beijo,

     
  • At 1:11 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Anastácia,

    É impressionante como Pessoa era capaz de exprimir com tanta clareza o que eu não consigo fazer em centenas de frases.

    Como já te disse eu acredito não nos extremos mas num misto ao definir a natureza do homem. Se lermos Carl Sagan percebemos a nossa natureza animal e ficamos um pouco assustados ao perceber que só estamos cá para sobreviver, esse é o nossso instinto. Mas eu também acredito que o homem é capaz de mudar e evoluir e adormecer cada vez mais os seus instintos. O segredo está na evolução porque não acredito na nobreza dos nossos instintos mais profundos.

    De qualquer forma é louvável o tipo de sociedade que o homem já conseguiu alcançar.

    Um beijo,

     

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