607. As promessas eleitorais
"A verdade é que não existe uma relação directa entre a democraticidade do sistema de selecção dos dirigentes e o respeito pela vontade do povo de que esses dirigentes dão mostras uma vez seleccionados. Não é essa a grande vantagem das democracias sobre sistemas totalitários: a grande vantagem da democracia é fornecer um mecanismo geralmente aceite e em geral pacífico para a substituição dos dirigentes que *não* governam segundo a vontade do povo."
Citação retirada do blogue Margens de Erro enviada por Jorge Candeias
Quem lê com regularidade o meu blogue sabe que a decisão de Sócrates em não alterar a lei sobre a Interrupção Voluntária do Aborto via Assembleia da República era a única que eu podia defender (ver aqui). Não tinha legitimidade política para o fazer por duas razões principais, leia-se, porque a vontade popular assim o ditou em anterior referendo (mesmo que este não tenha sido vinculativo) e porque o seu programa eleitoral tinha sempre rejeitado esta hipótese. Adicionalmente qualquer decisão que saísse da Assembleia da república desta forma prometia não ser duradoura.
Mas desta situação nasce uma problemática interessante. O que leva um Governo a anunciar, com ar sentido, que vai cumprir a promessa eleitoral e o que leva parte da oposição a exigir que a situação fosse resolvida doutra forma? Em primeiro lugar porque todos sabemos que as promessas só servem para serem quebradas – e o ar combalido do Secretário Geral do PS não se devia, concerteza, a ter que cumprir uma promessa mas por sincero (acredito que sim) incómodo por não ter conseguido convocar o referendo (por culpa própria, diga-se). Mesmo assim o que leva parte da restante classe política a exigir que o Governo não cumpra o programa eleitoral? Justificam-se com a evidência do Governo já ter quebrado outras promessas! Certo! Mas, digo eu, caberá à própria classe política pressionar um Governo a quebrar mais uma promessa? Não será um mero exercício de (auto) flagelação democrática?
Enquanto isso a outra oposição canta vitória. Vitória? Mas porquê? Por o Governo não ter conseguido ir para a frente com uma promessa eleitoral e convocado um referendo? Provavelmente festejam a vitória da legalidade! A legalidade não pertence a ninguém e não deve ser festejada, apenas aceite como algo natural. Até porque as votações no Tribunal Constitucional são, muitas vezes, algo surreais como bem demonstra a divisão no voto sobre esta matéria. Mas deixo este assunto para ser discutido por Constitucionalistas...
Eu acredito na Democracia mas sei que é um sistema longe de ser perfeito. Mas como a Democracia Representativa representa (desculpem o pleonasmo) cada vez menos os interesses dos cidadãos – para o bem e para o mal – eu sugeria aos políticos um (auto) mecanismo de protecção elementar da sua credibilidade: façam poucas promessas! Basta cumprirem algo simples, ou seja, a única promessa que podem, em consciência, fazer, ou seja, o compromisso na tomada de posse de servir Portugal! Com a interpretação própria da pessoa e da sua ideologia mas, no fundo, não é preciso prometer mais nada porque tudo depende do contexto, o que é bom hoje pode não o ser amanhã para o país! E assim as promessas têm duas desvantagens, leia-se, suprimir boas decisões porque houve uma promessa mas o contexto mudou ou implementar más decisões para cumprir uma promessa, tenha ou não mudado o contexto.
Em jeito de síntese para que servem as promessas num contexto de constante mudança das prioridades dum país? Apenas para avaliar a personalidade e, acima de tudo, a criatividade do político! Mas a partir do momento em que são feitas são um factor de descredibilização sempre que são quebradas. As campanhas político-partidárias seriam bem mais informativas se fossem um palco para a explicação das estratégias para o país e menos um exercício de risos amarelos e distribuição de promessas!
3 Comments:
At 2:32 da tarde, Bruno Gouveia Gonçalves said…
Ricardo,
Concordo em absoluto contigo. O problema das promessas, como já referi num post no meu blog, é a sua relação com o discurso demagógico. É triste mas constitui uma realidade. Eu sou um acérrimo crítico de discursos de ocasião, de discursos que coloquem o coração à frente da razão, já que estes são o príncipio das promessas demagógicas, e das consequentes promessas quebradas. Infelizmente, um país necessita mais de razão do que coração. Parece uma premissa simples e óbvia, mas são vários os políticos a esquecerem-se de tal.
Sócrates foi criticado pelo programa de governo ser idêntico ao programa eleitoral. Confesso que fiquei abismado com tal crítica! Será que a ilustre classe política não compreende que numas eleições legislativas o voto está no programa eleitoral? Enquanto não se apresentar um executivo-sombra, essa é a única forma de escolher o voto.
Fica bem
At 2:38 da manhã, Unknown said…
Caro Ricardo,
Lamento discordar de ti.
Um político tem de fazer aquilo a que chamamos promessas. Promessas são o programa eleitoral nada mais, e é na base do programa eleitoral que deviamos votal.
O problema é outro e é muito pouco provavel que o reconheças.
É que actualmente votamos para o governo de Portugal. Só que esse Governo tem poucos poderes. a maior parte já foram cedidos a Bruxelas.
Assim o governo pode ser eleito com muito boas intenções e depois ver Bruxelas obriga-lo a fazer o contrário do que prometeu.
Estou sinceramente convencido de que foi o que aconteceu ao Sócrates.
Só quando se encontrou em Primeiro Ministro é que descobriu que o que ele tinha prometido ou tinha deixado de prometer pouco valia. Não era ele quem mandava.
Um abraço
At 12:48 da tarde, Anónimo said…
Disse Karl Popper (cito de cor): "A grande vantagem da Democracia não é ser o sistema em que o povo pode escolher os bons dirigentes, mas sim ser aquele em que pode afastar os maus dirigentes". É a história da má moeda...
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