Filho do 25 de Abril

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quinta-feira, janeiro 12, 2006

705. Os Velhos

A ler! Sem preconceitos quanto à idade!

"Os velhos

Numa sociedade que vive no culto da juventude e se mede pelo sucesso, é desagradável falar dos velhos. Os velhos não serão como os trapos. Mas, se tiverem juízo, ficam em casa, embrulhados numa manta, entretidos com os netos, a usufruir da reforma. Os velhos fazem parte do passado. Devem saber retirar-se a tempo. E se tiverem tido um papel na história, têm que o saber preservar. Têm, acima de tudo, que saber preservar os preconceitos dos outros: poupá-los ao confronto com os anos e à senilidade dos entusiasmos. Um velho que não se conforma com a idade é um velho senil que perdeu a noção da realidade. A idade de um velho incomoda. Pessoas bem-educadas, com algumas qualificações, não falam da idade de um velho. Velhice não é argumento. Não deve ser usada como arma de ataque. Até porque o horror à velhice está inscrito na sociedade. O sentimento não precisa de ser exacerbado: basta existir e deixar-se espalhar com a hipocrisia habitual e a cobertura das boas maneiras.

Um velho é sempre um velho. Principalmente um velho que se candidata à Presidência da República. Os velhos são para estar na reserva. Para enfeitar o regime. Para fazer parte da história. Pior do que um político, só um político velho que não precisa de acentuar as rugas ou de embranquecer o cabelo. Um político velho transforma-se, de imediato, numa vedeta em declínio que não consegue abandonar o palco. Passa de pai da Pátria a “perturbador nacional”. Não tem o benefício da dúvida e não tem sequer dignidade. Está na política por via do ego e insiste na política por pura vaidade. Se tem um dia cheio de iniciativas e propaganda, chamam-lhe “novo” e, para disfarçar a velhice, apontam-lhe a “frescura” dos anos e a juventude de espírito. Se adormece ou se se engasga não lhe chamam nada (porque fica mal chamar certas coisas), mas crescem as insinuações e aumenta o peso da idade.

As gaffes de um velho não são gaffes. São confusões do espírito, falhas da memória, sinais óbvios de debilidade. São piedosamente escondidas ou são gloriosamente exibidas como um trunfo dos adversários. Deixaram de ser um dos encantos da sua personalidade. E têm uma carga que não existe nas gaffes de outros candidatos. O PIB do eng. Guterres foi repetido até à exaustão porque, no fundo, ninguém deu importância ao PIB e o eng. Guterres tinha a idade certa e o sorriso no lugar. O dr. Soares não tem o sorriso no lugar. E não tem a idade certa. Aos 81 anos ninguém sai, impunemente, do seu pedestal. Os velhos, que têm passado e que fazem parte da história, transformam-se em estátuas. Não se envolvem em batalhas que abalam a sua dignidade. Os velhos são património de todos. Não podem candidatar-se contra ninguém. Se o fazem, passam a “perturbadores” e são julgados pela sua idade. Por não saírem de cena, por não darem os lugares aos novos, por se engasgarem e por saírem do mausoléu onde a Pátria os puzera sorumbaticamente em sossego. Quanto mais não seja por isto, ainda bem que o dr. Soares se candidatou…"


Texto publicado no Espectro
Constança Cunha e Sá (Sábado)

7 Comments:

  • At 2:08 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Plenamente de acordo com todo o texto. Aliás a velhice é na nossa sociedade considerada como a «pobreza máxima».
    Quer se goste de Soares ou não, tem esse mérito indiscutivel de se abalançar ao desafio e de se expôr às bocas do mundo que não perdoam a idade.

     
  • At 2:16 da tarde, Blogger Politikus said…

    Se dessem ouvidos aos velhos, talvez a juventude, não comete-se tantos erros...

     
  • At 2:38 da tarde, Blogger Fernando said…

    Plenamente de acordo.

     
  • At 2:54 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Cara Padeira de Aljubarrota,

    Concordo em plenitude com o comentário! Mas considero ser algo suspeito vindo da parte duma ilustre senhora que, sem querer cometer uma inconfidência, já deve ter mais de 600 anos.

    Obrigado pela visita!

     
  • At 4:20 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Não gosto do Soares mas tb não gosto do argumento da idade e tenho-o evitado, até porque há cada vez mais argumentos políticos para não votar nele (graças às suas próprias intervenções).

     
  • At 10:59 da manhã, Blogger Bruno Gouveia Gonçalves said…

    Muito bonitas, essas etéreas palavras. Todavia, não passam disso mesmo, de palavras.

    Fico espantado pela quantidade de pessoas que diz não votar Soares devido à sua idade. Será preeconceito? Duvido.

    Nunca ninguém afirmou que os velhos não se podem candidatar, ou ter um papel activo na sociedade, nomeadamente na política.

    Mas em Portugal, parece que se assite a um procersso inverso. Jamais uma pessoa com 39 anos como David Cameron chegaria a principal líder da oposição. Não estou a dizer que é necessariamente mau, apenas estou a constatar um facto aparentemente cultural.

     
  • At 1:39 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Bravo e Bruno,

    Eu não estou a defender que vai haver algum candidato que vai perder por causa da idade. O que gostei neste texto é que reflecte bem uma realidade do nosso país, não só ao nível político mas também sociológico. As sociedades ocidentais parece que não querem que os velhos continuem a trabalhar mesmo quando querem, preferem-nos a "ganhar pó" num local qualquer.

    Eu ando de metro, frequento restaurantes e contacto com familiares e amigos e todos os dias ouço frases do género "ele está mas é em idade de descansar", "com aquela idade ainda quer ir para o poleiro", "é preciso é dar lugar aos mais novos"! E é verdade que o inverso - ser muito novo - também funciona negativamente e nota-se isso nos comentários à campanha de Louçã.

    Vivemos mais e não podemos obrigar as pessoas a trabalharem ad eternum mas parece-me que, além das pessoas quererem reformar-se ainda mais cedo que a geração anterior, parece que ficam ressentidas com quem escolhe não passar o resto dos seus dias no baloiço do alpendre.

    Por isso - por mais que não nos identifiquemos com Soares - acho que é de louvar uma candidatura que tem tudo a perder e nada a ganhar.

    Abraço,

     

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