(374) Páginas Soltas (13): Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago
Eu gosto de ler Saramago, admiro o seu estilo e a sua obra. Mas já há muito tempo que não me acontecia saltar partes dum livro por achar que estava a ler um conjunto extenso de disparates.
Esta obra parece uma interminável lição paternalista aos políticos (e aos cidadãos) cheia de lugares comuns e ideias feitas. Conforme as ideias originais se vão esgotando surgem novas abordagens, ainda mais desinspiradas que as anteriores porque, na minha humilde opinião, Saramago nunca soube realmente o que queria fazer com a provocação que lançou. A sua habitual ironia mordaz e certeira é ensaiada mas chega a ser tão pobre que acaba por ficar a anos luz do que este escritor já me habituou.
Eu respeito a obra do Saramago de forma intensa porque este faz do inverosímel algo que encaixa naturalmente no quotidiano e na rotina das personagens. Nesta obra esta lógica não funciona. O inverosímel tem carácter político e civilizacional e Saramago não resiste a recorrer a megalomanias forçadas. Não parte do fantástico para o habitual como é hábito porque estende o fantástico por toda a obra. Outro problema deste livro é não ser intimista como as obras anteriores já que temos dificuldade em nos identificarmos com uma personagem. Não há o cão, o homem, sua mulher, seus anseios, seus medos. Há ministros, há o Presidente, há o Primeiro Ministro, há o comissário, há a população.
A ligação que é feita com o “Ensaio sobre a Cegueira” através da mulher do médico também não é feliz por ser inconsequente, para não dizer incongruente.
Não recomendo a leitura deste livro! Mas não deixo de admirar a obra de Saramago só porque não gostei deste livro...
*Tópicos Relacionados:
(284) Páginas Soltas (8): O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago
(285) Páginas Soltas (9): O Homem Duplicado, de José Saramago
3 Comments:
At 9:54 da tarde, armando s. sousa said…
Olá Ricardo,
Concordo completamente com o que escreves sobre o "Ensaio sobre a lucidez" e como disse há uns meses atrás, José Saramago atingiu o apogeu como escritor com o livro "Memorial do Convento", depois é sempre a piorar.
Um abraço e boa Páscoa.
At 10:01 da tarde, armando s. sousa said…
Olá Ricardo,
Concordo completamente com o que escreves sobre o "Ensaio sobre a lucidez" e como disse há uns meses atrás, José Saramago atingiu o apogeu como escritor com o livro "Memorial do Convento", depois é sempre a piorar.
Um abraço e boa Páscoa.
At 5:28 da tarde, O Homem das Ilhas said…
Tenho de concordar ... Este "Ensaio" deixa muito a desejar ...
É o problema de escrever para uma agenda (seja ela qual for) e não por prazer e inspiração ...
Durante todo o livro tive a sensação de que Saramago, encontrou uma boa ideia e depois, tentou que ela desse um livro inteiro ...
A boa ideia não deu mais do que para um bom capítulo (e mais uns tantos muito sofríveis)...
A ligação com o "Ensaio sobre a Cegueira" (livro do qual gostei muito) é infeliz, e vem realçar a falta de base e de imaginação do autor neste livro ...
Saramago, autor de óptimos livros (Memorial do Convento, Ensaio sobre a Cegueira, Ano da Morte de Ricardo Reis, Jangada de Pedra) não faz nesta obra, aquilo que nos tinha habituado em outros livros ...
Eu noto, em comparação, a falta de pesquisa, a falta de várias ideias/mundos em confronto, a falta de humildade (a lição aos políticos era desnecessária) e a escrita fácil e determinada por uma agenda ...
Espero, sinceramente, que Saramago, se descole do Continente, e regresse à sua Jangada de Pedra, onde sempre escreveu com uma qualidade inquestionável ...
Enviar um comentário
<< Home