Se tivesse a oportunidade de escolher um líder político com que pudesse "perder" um dia a trocar impressões eu ia hesitar mas, com toda a certeza,
Fidel Castro ia estar numa lista muito curta de personalidades políticas que eu gostava mesmo de conhecer.
Não escondo que sinto um certo encantamento - quase juvenil - pela Revolução Cubana, pela luta a favor do direito dos povos lutarem contra a opressão, pela guerrilha sediada em Serra Maestra, pelas utopias sonhadas por
Fidel e
Che. Mas tal como Che, Fidel é um ícone de algo que não é, é uma imagem num boné que representa tudo menos o homem "real", é um símbolo semelhante a tantos outros que Andy Warhol eternizou e que alguém estampou numa caneca. O mundo - e em particular a história - está repleta de ícones, de símbolos, de lendas que em nada representam a realidade - e nem mesmo os factos - mas que dão ao homem esperança, ou melhor, o homem necessita destes ícones, destes símbolos, destas lendas para poder sonhar, para tentar dar um sentido ao todo. O problema é que estas utopias, quando confrontadas com a realidade, desmontam-se e revelam atrocidades que uma mente crítica não pode ignorar.
A história, ou seja, esta compilação de histórias subjectivas que vamos unindo para tentar dar um certo sentido à nossa evolução como espécie vai moldando as nossas percepções e temo que vai tratar bem Fidel Castro. Da mesma forma que, aqui e acolá, vão aparecendo admiradores de algo - o sonho liberal - que o ícone de Augusto Pinochet representa o mesmo vai acontecer a Fidel.
Eu não posso ignorar - nem quero - que Fidel Castro representa tudo o que eu abomino, representa tudo o que eu combato ferozmente. Mesmo tendo esta vontade obsessiva de trocar impressões com ele, não confundo isso com simpatia e não quero cair na "armadilha" do sectarismo em que os políticos que "encaixam" - de forma mais ou menos forçada - no nosso espectro político "têm" que merecer a nossa defesa cega. Não me interessam os números (porventura positivos) relacionados com a Saúde e nem sequer a (supostamente elevada) taxa de alfabetização porque um regime que promove perseguições e até execuções políticas só merece o meu mais profundo asco. E reforço isto sem hesitação. Sou muito claro! Fidel Castro não representa nada, nada, do que eu defendo e não abdico do que acredito por este, supostamente, defender o socialismo. Mas admito que o homem, por mais aversão que me cause, tem um mundo de histórias interessantes para contar, um sem número de pormenores (relevantes) de bastidores (de várias décadas e sobre vários conflitos) e, quem sabe, sonho e temo, ao mesmo tempo, que me faça planar sobre utopias com as suas palavras.
Resta lançar um olhar para o futuro e para uma Cuba sem Fidel (todos os indícios apontam que a era de Fidel como Presidente da República de Cuba terminou). Eu nunca fui um crítico de Fidel por causa do modelo económico que este implementou - estou farto de defender que não pode haver um só modelo económico padronizado que o conjunto de países desenvolvidos tolere - e não estamos perante nem uma economia planificada nem perante um sistema de mercado. Nem Cuba é comunista no sentido literal do termo - e como Fidel diz agora que é - nem renega o comunismo - como Fidel gritava aquando da sua visita aos EUA. O problema de Cuba, do meu ponto de vista, é estar sufocada pela corrupção, é ser uma ditadura que não permite a livre discussão de soluções, é estar sobre o manto dum embargo completamente ridículo (que só serviu para manter Fidel eternamente no poder). Por isso defendo que o futuro de Cuba deve passar pelo sistema económico que a população livremente escolher logo após haverem garantias de uma Democracia minimamente estável, Democracia essa que deve ser induzida pela própria população com o apoio - mas não a intervenção directa - da comunidade internacional. Entendo que o desenvolvimento imediato de Cuba depende, e muito, da vontade da população na transição e aparentemente não vejo razões para que esta não possa ser feita com estabilidade. O caminho perigoso seria, na minha opinião, optar por intervenções militares ou por armar guerrilhas e só apoiaria este caminho se o actual regime cubano caísse na tentação de abafar qualquer rebelião com violência. Acredito sinceramente que a transição vai acontecer em breve e de forma pacífica. Acredito também que "a história" vai matar Fidel, o homem, como faz com todas as suas personagens, e vai criar um ícone, um símbolo, uma lenda... no fundo, a história vai tratar bem Fidel, El Comandante.