(401) Desabafo
Não costumo tocar em assuntos do foro pessoal no blogue porque considero que a nossa privacidade deve ser partilhada de forma seleccionada e privada. Mas vou abrir uma execpção a esta regra...
É impressionante a velocidade com que tudo muda! Num Domingo vejo descansado um filme em DVD e deito-me e na manhã seguinte acordo com dores fortes num braço. Um caroço acabava de tocar um nervo e foi o início de um processo desgastante que dura há quase um mês. O desgaste que advém de ser assistido por 5 médicos, por ter feito 2 TAC´s, 2 Raio X, uma ecografia, uma punção, análises ao sangue e urina é gigantesco ao nível psicológico. Principalmente quando os médicos apontam com grande certeza para cancro (linfoma ou outros tipos terminados em oma).
É fácil explicar que, quando um médico nos diz para fazer um TAC ao abdómen para verificar se há mais lesões em algum orgão, o desgaste mental é grande. E passam dias e mais dias e noites e mais noites para marcar o exame, fazer o TAC e conhecer os resultados. Depois é preciso interpretar os resultados. Todo este processo deixa marcas.
Algo que aprendi com esta experiência é que as doenças de foro oncológico atacam a mente de forma tão agressiva como o corpo. O medo paralisa e não nos deixa viver mesmo que fisicamente nos sintamos bem. Mesmo após ter-me sido removido cirurgicamente o caroço (apelidado nesta fase de gânglio) não sentia dores e estava em plena forma física. Mas qualquer dor nova ou antiga era como um novo alarme e começava a comportar-me como um doente. Estava tranquilo e preparado para os choques que se iam sucedendo a um ritmo diário mas não queria sentir-me doente, leia-se, podia estar doente mas não queria limitar mais a minha vida do que era necessário. Mas limitei-a ao máximo...
Quem nos rodeia raramente apercebe-se que o "doente" não quer ser tratado como um doente. Quem está debilitado fisica ou psicologicamente não quer olhares chorosos, comportamentos frenéticos nem sentimentos de pena. O que eu queria era sentir um ambiente de normalidade para que a doença não ocupasse toda a minha vida. Eu queria falar sobre cinema ou sobre a quantidade absurda de dinheiro que o Mourinho ganha. Eu só queria que os comportamentos fossem os normais porque, no fundo, eu ainda era a mesma pessoa...
Na sociedade que criámos só interessa o presente! O passado é rapidamente esquecido e o futuro relativizado e sempre distante. O homem prefere ignorar que, no limite, morre e que isso é tão natural como nascer. Mas não, nós preferimos nos sentir imortais e não lidar, leia-se ignorar, com a morte. Só assim se compreende porque é que a morte é escondida debaixo dum lençol, porque é que vivemos obcecados com a eterna juventude e porque é que preferimos sentir pena de quem sujeita-se a tratamentos como a quimioterapia do que aceitá-la como uma luta pela sobrevivência, ou seja, como algo natural. Por isso o cancro é um estigma e faz com que quem tem um sinta embaraço, que se feche em casa com vergonha. A nossa sociedade é um dos factores do insucesso da cura do cancro.
Este é o resultado da sociedade materialista que estamos a construír. A "fé" deste novo milénio peca da mesma forma que as religiões seculares que antecederam esta forma de pensar. As religiões preferem alimentar a incerteza sobre o que é a morte que enfrentá-la como algo definitivo e natural e esta nova "fé" materialista prefere simplesmente ignorar que a morte existe. A morte, nas sociedades ocidentais, é algo distante e fruto dum acaso ou azar e é encarada no conforto duma esperança média de vida que cresce todos os dias na mente das pessoas (e que de média tem muito pouco). Não tenho pressa de morrer e sempre terei medo de morrer mas só aceitando este destino com realismo (como algo inevitável e natural) é que posso (tranquilamente) impedir que o medo paralise a minha vida e que a limite a um acto contínuo de respiração. Todos respiramos, poucos vivem!
Neste momento sinto um alívio condicionado! Contra as fortes expectativas médicas afinal não tinha nem um tumor nem cancro. Provavelmente apenas um processo reactivo a algo como um vírus ou um insecto, que vou ter que controlar atentamente. Mas não critíco os (excelentes) profissionais de saúde que me acompanharam excepto no excesso de zelo ao tentarem acelerar a cura. Não preciso explicar o alívio de ter reconquistado um horizonte de vida mas este vai ser sempre condicionado. Para já porque ainda não sei o que provocou o que tive (e pode sempre reaparecer da mesma forma que chegou, sem avisar) mas principalmente porque agora sei que tudo pode mudar de um dia para outro. Hoje sou uma pessoa diferente porque nunca mais vou sentir aquela felicidade ingénua dos tolos que preferem ignorar o que se passa à sua volta! Mas sinto-me mais vivo que nunca... e a descobrir os incontáveis prazeres da alimentação saudável!
Agradeço a todos os que deixaram aqui mensagens de apoio! Sem excepção foram importantes para mim. Em breve, após mais uma curta descompressão, retomo o meu olhar sobre o mundo da única forma que o sei fazer, leia-se, impessoal e fria (como habitual). Este post foi a excepção, não a regra. Também vou retomar as visitas aos blogues que tenho nas minhas ligações porque já sinto saudades da blogosfera e dos blogamigos! Até breve!