"Acreditamos, como Adam Smith, que o homem é levado, por uma mão invisível, a apoiar um objectivo que não fazia parte das suas intenções. Mas esta mão invisível, longe de constituir um vazio de regras é o máximo da regra, a suprema ordem, a ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita.
Porque existe um princípio da simpatia: o esforço uniforme, constante e ininterrupto de cada homem para melhorar a sua condição que leva o homem a obter a aprovação dos outros homens. Aliás, o individuo só se conhece a si mesmo pelo juízo que faz do outro e daquele que esse outro faz dele, o tal homem com o profundo sentido do animal de trocas, que é o cerne da sociedade."
José Adelino Maltez, Tópicos PolíticosEncontrei este blogue -
Tópicos Políticos - por mero acaso, ou seja, através duma pesquisa no google sobre um tema económico. Não resisto a comentar este texto.
Uma das coisas que mais admiro na
economia como ciência é conseguir ser simultaneamente uma ciência que tenta racionalizar a sociedade através de ponderações matemáticas especulativas do comportamento do homem e, repito, ao mesmo tempo, ser uma ciência que, muitas vezes, se confunde com a filosofia. E o estudo do homem, como um ser dotado de comportamentos imprevisíveis, e do seu papel na sociedade acaba por gerar teorias económicas para todos os gostos.
Assim se alguém acredita no
homem e no seu
altruísmo inato defende um determinado modelo de sociedade - e por arrasto um modelo económico - e se acredita no seu
egoísmo inato defende outro modelo económico. O que é brilhante em
Adam Smith é este tentar idealizar uma teoria que, ao mesmo tempo, tem como motor a natureza que acredita ser a do homem - o seu egoísmo - e acreditar, simultaneamente, que há uma
mão invisível que leva a que o egoísmo promova o interesse da sociedade.
É uma forma de altruísmo invisível.A génese do
liberalismo - o liberalismo clássico - não está, de facto, desprovida dum sentido de humanismo mas defende que o Estado não deveria tomar posição no funcionamento livre do mercado. Utilizando as palavras do professor
José Adelino Maltez "esta mão invisível, longe de constituir um vazio de regras é o máximo da regra, a suprema ordem, a ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem, onde se mistura a liberdade natural com a justiça perfeita". Não acredito que o homem, encarado de forma individual, sem a intervenção do Estado, seja capaz de atingir esta ordem espontânea. Acredito sim que o homem criou as sociedades para combater a sua própria natureza - apesar de muitas vezes as sociedades actuarem contra o seu interesse individual e, por vezes, colectivo - e que o
Estado na sua vertente interventiva - não estou a falar de planificação mas duma postura correctiva e reguladora - é o expoente máximo do mecanismo que o homem criou para equilibrar a sua natureza com o interesse colectivo que, no fundo, ajuda a alcançar o interesse individual. O Estado, se encararmos tudo isto de forma obliqua, acaba, no fundo, por ser a representação do tal
altruísmo invisível que falava anteriormente e o homem, ao criar esta estrutura, prova assim que é capaz de ser altruísta - mesmo que por razões egoístas como Smith defendia - mas através dum método completamente diferente do que o método que Smith advogava.
Basta encarar o indivíduo ou a empresa e o seu comportamento individual para percebermos que a tendência natural do funcionamento duma sociedade sem correcção - o que é uma intervenção mais lata do que a simples regulação - pode servir para agravar as desigualdades (regular sujeita algo a regras e corrigir é uma intervenção para rectificar ou melhorar algo). E uma sociedade sem coesão social é uma sociedade que não gera riqueza. Uma das funções do Estado é redistribuir a riqueza gerada e um dos motivos dessa função é a tal coesão social. Acredito, sempre acreditei, que só é possível gerar riqueza se existirem mecanismos que atenuem o descontentamento social. E o Estado só actua via redistribuição porque o sistema de mercado não consegue, de forma espontânea, garantir essa coesão social.
Tomemos como exemplo um
sector, o
bancário, e vamos confrontar o seu comportamento com o interesse colectivo. É evidente que um banco facilita as trocas, facilita a gestão a longo prazo duma vida e desempenha uma importante tarefa na criação de riqueza. O motor do desenvolvimento da actividade bancária é a obtenção de
lucro, ou seja, voltamos ao conceito do
egoísmo. O que acontece é que um indivíduo que tem menos capacidade para gerar lucros a um banco é prejudicado e é natural que um banco ofereça condições mais vantajosos a quem já tem mais recursos financeiros. Desta forma as comissões são cobradas, paradoxalmente, em maior proporção a quem tem menos dinheiro na conta. Adicionalmente se um indivíduo, vamos chamá-lo de pobre, pede um crédito o risco para o banco é maior e, novamente de forma paradoxal, o banco agrava o risco desse indivíduo ao oferecer-lhe um spread mais desfavorável do que oferece a um indivíduo que vamos chamar de rico. Assim, na sua natureza, um banco agrava a diferença entre o indivíduo pobre - que paga comissões e taxas mais altas - e o indivíduo rico. Será o mercado capaz, sem interferência do Estado, pela mera interacção de indivíduos, pela "autonomia ética do homem", de actuar no sentido de melhorar a coesão social? Ao contrário do professor José Adelino Maltez não acredito na "ordem espontaneamente criada pela autonomia ética do homem".
Prefiro acreditar que o Estado não é um mero regulador da actividade económica - o que hoje em dia já é consensual até entre os liberais moderados - mas também tem um forte papel de corrector. Por isso defendo que a economia de mercado tem que dar as mãos a um Estado forte e isto não é não acreditar no homem mas sim que o homem criou os Estados para potenciar da melhor forma a sua própria natureza. Por isso o que me afasta de Adam Smith é que, simplesmente, eu acredito que a "mão invisível" surge na forma do Estado e não o resultado dum sentido ético individual do homem. Note-se que o Estado é uma criação do homem e, por isso, acredito que este é capaz de gerar altruísmo e só discordo - de Adam Smith - do modo escolhido para atingir essa ordem.