A análise do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, sobre o impacto da Reforma da Segurança Social nas contas públicas mereceu muitas críticas por parte dos que consideram inaceitável dar prioridade aos números sobre as pessoas e um silêncio assinalável daqueles que defendem uma Segurança Social (SS) mais liberal. É evidente que ninguém quer aplaudir, é compreensível, uma reforma que, aparentemente, é uma contra-reforma social. É também evidente que mesmo aqueles que desejam uma maior sustentabilidade da SS não olham com agrado uma reforma que não abre o sistema ao sector privado. As reacções são a espuma da reforma mas são bastante elucidativas.
O que os primeiros, os que têm uma visão de esquerda mais tradicional, estão a esquecer é que tudo tem custos e manter a SS tal como estava tinha um efeito inevitável, ou dito de outra forma, considerando que antes da reforma Portugal tinha que ter uma variação do valor do saldo orçamental primário permanente até 2050 para garantir uma dívida pública de 60% de 2,5% (em percentagem do PIB), então quem não defende esta reforma tem que defender uma diminuição dos custos ou aumento da receita nesta percentagem de forma permanente. Isso implica uma subida permanente dos impostos ou uma redução, também permanente, dos serviços públicos e da mão de obra do Estado até 2050. Não podemos defender simplesmente que a Reforma é injusta e, ao mesmo tempo, ignorar que se não fosse feita provocava outros efeitos sociais talvez ainda mais notórios.
Os segundos, os que defendem uma maior abertura da SS aos privados, também não podem gostar duma reforma que torna sustentável, a longo prazo, a SS pública porque perdem exactamente esse argumento, ou seja, o da não sustentabilidade do sistema público. Antes da reforma, dado o envelhecimento da população, previa-se que a variação da despesa com pensões em percentagem do PIB era de 8,9% e que agora, depois da reforma, fica abaixo da média europeia, passando para 2%. Não é a salvação do sistema público mas indica que este continua a ser perfeitamente defensável, sendo que é necessário, como é óbvio, ser flexível na adaptação ao contexto.
Há uma análise de fundo que fica por fazer e que necessita de ser esclarecida, concretizando, qual é o enquadramento que deve ser dado às políticas sociais, ou melhor, se deve ser a produtividade que tem que andar atrás destas ou se são as políticas sociais que se têm de adaptar à produtividade. Na minha opinião nem uma coisa nem outra, ou seja, as duas questões têm que andar de mãos dadas, ou melhor, é impossível obter mais produtividade sem políticas sociais porque não podemos ignorar os custos sociais (não os custos do financiamento das políticas sociais mas os custos que a ausência de políticas sociais provocam na economia) na economia nem as políticas sociais podem ignorar a produtividade porque esta é, desculpem o pleonasmo, o sustentáculo da sua sustentabilidade. Não podemos ser ingénuos, a SS tal como foi idealizada na década de 80 não era sustentável e criou, isso já não se pode apagar, injustiças geracionais graves com a agravante de termos incluído todos no bolo, os que contribuíram e os que não o fizeram, dando um peso excessivo aos últimos anos de trabalho, permitindo a compra de anos de trabalho e a generalização de reformas antecipadas com penalizações baixas e, por pouco, não demos a prova que a SS não podia ser gerida pelo Estado. Este recuo, excessivo e injusto para esta geração porque também visa corrigir os excessos não sustentados da anterior geração, é a adaptação do sistema para os novos tempos e, por fim, afasta um dos argumentos mais fortes para o fim do sistema público de SS.
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